Agora que já exploramos o conceito e as implicações da inflação, queremos aprofundar um pouco em uma questão que sempre assombra o RH, quando a inflação sobe além do normal: repor ou não a inflação para os colaboradores?
Para quem não é especialista em Remuneração, a questão pode parecer bastante óbvia. Mas, não se engane, a questão é muito mais profunda do que parece. Vamos destacar aqui 5 pontos a serem considerados:
1. A inflação afeta as pessoas de diferentes formas
Conforme vimos nos textos anteriores desta série, a inflação é medida avaliando os preços de diferentes produtos e serviços e há vários índices com diferentes composições — cada um deles mais adequado a um perfil de consumo. Sendo assim, seria justo ajustar os salários dos executivos considerando um índice que leva em conta a cesta de consumo do público operacional?
A desigualdade social no Brasil é enorme, uma das maiores do mundo. Por conta disso, o impacto de um reajuste nos medicamentos, no aluguel ou na conta de energia, por exemplo, é percebido de forma muito diferente entre pessoas de diferentes classes sociais.
Se você procurar conteúdos sobre como se proteger da inflação, provavelmente vai encontrar opções de investimentos que se beneficiam deste cenário. Porém, dificilmente vai se deparar com uma solução que se aplique a uma família de baixa renda.
2. A mediana dos salários dos cargos não acompanha a inflação
Por uma série de questões (exploradas a fundo neste vídeo), a mediana dos salários dos cargos pode variar acima ou abaixo da inflação conforme a oferta e a demanda por diferentes qualificações. Cargos de TI, por exemplo, estão com maior demanda e a mediana dos salários tem subido acima da inflação. Por outro lado, na maioria dos cargos operacionais está acontecendo exatamente o contrário.
Se a empresa tem como política pagar a mediana do mercado, por exemplo, aplicar a inflação nos salários significaria o descumprimento da política — por mais contraintuitivo que pareça nesse caso.
3. Custo e competitividade
Embora o conceito de RH estratégico não seja novo, na maioria dos casos o foco do RH está mais na satisfação dos colaboradores do que nos resultados do negócio. Este posicionamento é compreensível, dado que os indicadores pelos quais o RH normalmente é cobrado são turnover, absenteísmo e clima. Mas, se quiser ser de fato estratégica, a área de Recursos Humanos precisa contribuir para os resultados do negócio.
Muitas empresas nos procuram quando já estão com problemas de custo com pessoal. Quando analisamos a raiz do problema, geralmente verificamos que as práticas de reposição de inflação, turnover baixo e reajustes por tempo de casa levaram a empresa a ficar com os custos altos e perder competitividade de mercado.
4. Orçamento e conceito de justiça
Usualmente, as empresas têm um orçamento de pessoal bastante apertado, que ainda precisa ser compartilhado entre reajustes coletivos, promoções, mérito e enquadramentos. Considerando tudo isso, será que é realmente justo consumir todo o orçamento com reajustes coletivos, mesmo que alguns colaboradores já estejam com os salários acima do teto da tabela, impossibilitando, por exemplo, o enquadramento de outro colaborador que está abaixo do mínimo?
Não seria mais justo garantir que todos tenham uma remuneração compatível com o seu cargo?
5. O mundo não é justo e você não vai conseguir resolver os problemas do mundo sozinho
É como diria Ray Dalio em seu livro Princípios: “aceite a realidade e lide com ela”. A inflação é um problema grave que, atualmente, afeta o mundo todo com raízes em diversas questões como balança comercial, câmbio e até mesmo a guerra.
Como responsáveis pelos salários dos colaboradores, é óbvio que não queremos que eles percam poder de compra. Porém, seria ingênuo tentarmos resolver um problema desta complexidade com uma solução tão simplista.
Observando a queda no rendimento médio no Brasil e os dados de turnover, fica claro que as empresas estão demitindo colaboradores com salários acima do mercado para contratar outros com salários mais baixos (exploramos a questão mais profundamente nesta entrevista com o professor de economia Hélio Zylberstajn).
Isso significa que, quando uma empresa concede um reajuste (mesmo que para repor a inflação) a um colaborador que já está com o salário acima do mercado, as chances de ele ser demitido em uma eventual crise se tornam muito maiores.
Obviamente, esta questão afeta as empresas de maneiras muito diferentes, dependendo da representatividade dos custos com pessoas, nível de concorrência e margens de cada negócio — indicadores importantes para RHs que querem ser estratégicos.
Bom, depois de apontar o problema, não poderia concluir este texto sem mostrar alguns caminhos possíveis. Então, seguem algumas recomendações:
1. Procure negociar um teto para aplicação do acordo: Segundo a Fipe (boletim fevereiro 2022), 15,3% das negociações incluem um teto, que em média é de R$ 6.756. Isso permite que a empresa distribua o orçamento de pessoal de forma mais estratégica, avaliando caso a caso qual o percentual de reajuste necessário para garantir o cumprimento da política salarial.
2. Reajuste a tabela conforme pesquisa de mercado: Conforme citado anteriormente neste texto, os salários dos cargos não variam conforme a inflação. Sendo assim, se você aplicar a inflação na tabela salarial sem olhar individualmente para os cargos, vai gerar distorções difíceis de serem revertidas. Se não souber como fazer isso, neste vídeo explicamos melhor o conceito.
3. Aplique o acordo mínimo, excluindo hipersuficientes e seguindo todos os critérios de teto, escalonamento e proporcionalidade. Em seguida, revise o posicionamento das pessoas na tabela e ajuste pontualmente os casos necessários.
Esperamos que sua empresa não caia na armadilha da inflação!
Muito obrigado e até mais!
João Augusto Resch
Gerente de Remuneração da Carreira Muller
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Leia nossa série Inflação: